O POTE




Corria o ano de 1837, lá na fazenda Santa Maria o escravo Prudêncio acabara de abrir uma caieira e retirava as vasilhas de barros ainda quentes de mais uma queima a pedido da Sinhá.
Tinha moringas, gamelas e muitas coisas, mas a maioria era potes de todos os tamanhos, dos muito grandes para guardar mantimentos até os pequenininhos para temperos.
Os mais bem feitos e perfeitos seriam separados para a casa grande o restante ia pra senzala.
Ele tinha caprichado desta vez. Aquele barro que ele achou valeu o esforço, primeiro convencer o sinhô que o barro era bom, depois ir lá para cortar o barro no barranco que de tão duro parecia pedra, trazer para cá no carro, tinha de trazer aos poucos, porque os bois num agüentaram subir aquela ribanceira. Foram varias viagem.  Depois foram as chuvas que quase levaram seu barro todo. Depois teve a quebra do milho, a lavoura, enfim, se não fosse a Dona sinhá a pedir os potes, o barro estaria lá ainda.
Quem o ensinou a trabalhar com o barro foi Emiliano, lá da Fazenda Água Limpa, lá tem até torno, aqui não, ele fez todos com as mãos mesmo, mas ele caprichou.
- Tão ficando bonito Prudêncio! Tinha falado Sinhá.
Coitado do Emiliano, pouco tempo depois que fui vendido pra cá aquele touro pegou ele. Pensou Prudêncio.
Esta era a primeira vez que fazia os potes sozinho, tinha o pessoal da lavoura que sabia fazer potes, mas para casa grande era a primeira vez.
Amassar o barro, curtir o barro, sovar o barro até ele ficar macio e depois ir modelando peça por peça. Emiliano tinha falado para ele que o segredo estava no preparar o barro e na queima. Saber queimar é tudo dizia Emiliano.
Realmente montar a caeira não foi fácil. Ver os outros fazendo, e fazer com gente que sabe é uma coisa, mas, aqui quem sabia tudo era ele.  Quando ele viu a caeira pronta nem acreditou, foi chamar até o sinhô para dar uma olhada.
- Taca fogo Prudêncio e vamos ver o que acontece. Falou o Sinhô.
Ai lembrou-se das palavras de Emiliano: “Cuidado Prudêncio senão estoura tudo, vai com calma. É fogo brando até fumaça clarear lá em cima, ai vai aumentando até virar brasa pura”. Nem acreditou quando pelo espia viu como um sol brilhando lá dentro.
Quando Prudêncio estava fazendo os potes ele marcou um com seus dedos por dento. Aquele era pra Dinha, fez questão de não dar muito acabamento, porque senão ia para a casa grande.
Dinha era sua filha mais velha que ia se casar com escravo Tonhão, o peão da fazenda, o padre Berlluci ia fazer o casamento.
Quando começou abrir a caieira o primeiro pote que pegou foi o da Dinha, tinha colocado ele na borda de propósito, pois os da borda ficam manchados.
O tempo passou, foi-se o Prudêncio, Sinhô, Sinhá, Dinha, Tonhão, e como uma roda viva a vida passou, vieram novas vidas, novos tempos que também passaram. Mas o pote ficou.
O que passou o pote, e o que viu o pote, só o pote pode dizer, mas ele ultimamente anda calado, num canto de minha sala, fazendo aquilo que jamais o Prudêncio podia imaginar.
Dentro do pote guardo todos os dias os fios de meu laptop e meu fone de ouvido.
Se o escravo Prudêncio pudesse imaginar o que seu pote estaria fazendo hoje, certamente ficaria assustado. Assusto-me eu imaginar até aonde vai este pote.





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