O Miguel.
Desde cedo aprendi a conviver com o deficiente físico e intelectual.
A minha irmã caçula e uma delas e eu gosto de trabalhar como
voluntario na APAE.
Mas, pelo que eu me lembre o primeiro deficiente que me marcou foi o Miguel,
vou chamá-lo de Miguel, mas não sei se este é realmente o seu nome. Andei
perdendo uns arquivo na memória e como não fiz backup, esta informação foi pro “beleleu”.
Naquela época o meu pai trabalhava de pedreiro, e quando chegava em
casa de tardezinha ia para frente do portão da nossa casa para fazer um pito,
pito era um cigarro de palha com fumo de corda, cuja fumaça matava até
carrapato. O Miguel morava em frente e
assim que ele via o pai, vinha bater uns dois dedos de prosa. Na verdade ele
queria que o pai preparasse um pito para ele. Preparar um pito era uma arte,
cortar o fumo, cortar a palha de milho, espalhar o fumo e enrolar delicadamente
apertando no ponto certo. E para o Miguel esta coreografia era praticamente
impossível de se fazer. O pai era sua salvação, não sei como ele sobreviveu
depois que mudamos de lá.
Bom, falei que ele vinha para dois dedos de prosa, mas é ai que
realmente o Miguel me marcou. Para atravessar a rua ele fazia uma coreografia
com movimentos irregulares e passos inteiramente desconexos apoiado em uma
bengala, enquanto o seu rosto se contorcia para expressar a satisfação de um
encontro eminente. A coreografia do Miguel provocava em mim um esforço interior
muito grande e eu me achava dançando com ele.
Para o Miguel ficar de pé exigia uma determinação consciente e
naturalmente o seu corpo ia cedendo ao peso, como uma manteiga em chapa quente
ele ia se amontoando no chão,
Num
esforço descomunal ele se erguia e aprumava para ir lentamente cedendo
novamente ao peso. Esta coreografia era recheada de movimentos longos e
desconexos como que exibindo uma dança e se repetia durante todo o tempo em que
meu pai fazia o pito e pitavam juntos.
A
paciência do meu pai oscilava de muita a nenhuma, mas a coreografia do Miguel era
persistente. Ele fazia o melhor de si para aquele momento junto com meu pai.
Juntos,
o Miguel e meu pai proporcionavam um momento de relacionamento onde um
completava o outro, e nós, como abelhas e beija flores aproveitávamos o néctar
daquele momento.
O
Miguel me faz lembrar aquela passagem da bíblia onde diz:
Na
nossa vida, às vezes somos como Miguel, com um esforço descomunal nos mantemos
de pé e qualquer vacilo vamos nos amontoando no chão,mas não desistimos.
Deus
sabendo disto enviou Jesus para nos sustentar nesta caminhada.
Muito bom o texto
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