quarta-feira, 24 de julho de 2013

O POTE




Corria o ano de 1837, lá na fazenda Santa Maria o escravo Prudêncio acabara de abrir uma caieira e retirava as vasilhas de barros ainda quentes de mais uma queima a pedido da Sinhá.
Tinha moringas, gamelas e muitas coisas, mas a maioria era potes de todos os tamanhos, dos muito grandes para guardar mantimentos até os pequenininhos para temperos.
Os mais bem feitos e perfeitos seriam separados para a casa grande o restante ia pra senzala.
Ele tinha caprichado desta vez. Aquele barro que ele achou valeu o esforço, primeiro convencer o sinhô que o barro era bom, depois ir lá para cortar o barro no barranco que de tão duro parecia pedra, trazer para cá no carro, tinha de trazer aos poucos, porque os bois num agüentaram subir aquela ribanceira. Foram varias viagem.  Depois foram as chuvas que quase levaram seu barro todo. Depois teve a quebra do milho, a lavoura, enfim, se não fosse a Dona sinhá a pedir os potes, o barro estaria lá ainda.
Quem o ensinou a trabalhar com o barro foi Emiliano, lá da Fazenda Água Limpa, lá tem até torno, aqui não, ele fez todos com as mãos mesmo, mas ele caprichou.
- Tão ficando bonito Prudêncio! Tinha falado Sinhá.
Coitado do Emiliano, pouco tempo depois que fui vendido pra cá aquele touro pegou ele. Pensou Prudêncio.
Esta era a primeira vez que fazia os potes sozinho, tinha o pessoal da lavoura que sabia fazer potes, mas para casa grande era a primeira vez.
Amassar o barro, curtir o barro, sovar o barro até ele ficar macio e depois ir modelando peça por peça. Emiliano tinha falado para ele que o segredo estava no preparar o barro e na queima. Saber queimar é tudo dizia Emiliano.
Realmente montar a caeira não foi fácil. Ver os outros fazendo, e fazer com gente que sabe é uma coisa, mas, aqui quem sabia tudo era ele.  Quando ele viu a caeira pronta nem acreditou, foi chamar até o sinhô para dar uma olhada.
- Taca fogo Prudêncio e vamos ver o que acontece. Falou o Sinhô.
Ai lembrou-se das palavras de Emiliano: “Cuidado Prudêncio senão estoura tudo, vai com calma. É fogo brando até fumaça clarear lá em cima, ai vai aumentando até virar brasa pura”. Nem acreditou quando pelo espia viu como um sol brilhando lá dentro.
Quando Prudêncio estava fazendo os potes ele marcou um com seus dedos por dento. Aquele era pra Dinha, fez questão de não dar muito acabamento, porque senão ia para a casa grande.
Dinha era sua filha mais velha que ia se casar com escravo Tonhão, o peão da fazenda, o padre Berlluci ia fazer o casamento.
Quando começou abrir a caieira o primeiro pote que pegou foi o da Dinha, tinha colocado ele na borda de propósito, pois os da borda ficam manchados.
O tempo passou, foi-se o Prudêncio, Sinhô, Sinhá, Dinha, Tonhão, e como uma roda viva a vida passou, vieram novas vidas, novos tempos que também passaram. Mas o pote ficou.
O que passou o pote, e o que viu o pote, só o pote pode dizer, mas ele ultimamente anda calado, num canto de minha sala, fazendo aquilo que jamais o Prudêncio podia imaginar.
Dentro do pote guardo todos os dias os fios de meu laptop e meu fone de ouvido.
Se o escravo Prudêncio pudesse imaginar o que seu pote estaria fazendo hoje, certamente ficaria assustado. Assusto-me eu imaginar até aonde vai este pote.





segunda-feira, 15 de julho de 2013

A coisa grande

Aquilo parecia um sonho de tão bom que era.                                                                   
Eu estava passeando com meu pai, na estrada, debaixo daquela coisa grande.
Só de eu estar na estrada já era motivo para muita alegria, pois a mãe sempre falava:
“não vai pra estrada não, é perigoso por causa do caminhão de leite, ele passa em cima de vocês”
Agora, lá estava eu com meu pai na estrada, e ainda por cima, debaixo daquela coisa grande.
Era muita alegria, meus irmãos também tava, eles ajudavam a empurrar ela.
Eu corria de perna em perna, ela tinha mais pernas que meu pai, cai varias vezes, mas levantava, e não chorava não. Uma vez a roda que tinha nas pernas dela passou em cima do meu pé, doeu muito, os olhos ficaram como quando chove, mas fiquei firme e não chorei, não podia perder aquele momento.
Tinha um amigo do meu pai ajudando, se não me engano, seu nome era Benedito. Eu daqui debaixo dela, olhava pra cima e via meu pai rindo e falando com ele. A visão de meu pai já me era familiar, mas naquele dia parecia mais lindo. Sempre ele estava olhando para mim, e eu daqui de baixo via o seu nariz atrás do bigode, isto mesmo, o meu pai falou que aqueles cabelos embaixo do nariz chamava bigode “bidode” falava eu, "não, é bi-go-de, GO de gato” falava ele.
E assim a gente ia empurrando ela estrada a fora. Ela era alta de tal modo que eu não conseguia relar nela nem pulando, mas era mais baixa que o pai e o bendito, meu irmão conseguia ver por cima dela.
Pelo que eu entendi ela não tinha rodas no pé não, foi meu pai que fez.
“que isto?” perguntei para ele enquanto serrava com aquele serrote, o serrote que eu tinha visto era largo, este era fino e ficava no meio de uma madeira. “estou fazendo uma roda com esta serrinha” na realidade ele fez uma para cada perna.
Qual não foi meu espanto quanto avistei a porteira, aquilo era demais , era muita emoção, nos íamos passar na porteira, eu gritava, pulava, caía, levantava. era a porteira que até pouco tempo atrás eu tinha medo dela. Toda vez que alguém passava nela ela gemia forte e depois batia uma pancada seca. Eu só passava nela no colo. “Mas hoje não, hoje eu não estou com medo” pensei eu. Meu pai veio me pegar, mas eu agarrei na perna dela e falei que ia passar sozinho.
Foi o Benedito que abriu a porteira, e ela gemeu um gemido alto e forte, mas fiquei firme, fomos passando, passando, ai o Benedito, eu acho que ele tem medo dela, saiu correndo e ela foi atrás dele e bateu forte fechando o caminho.
Eu estava tão empolgado com a porteira que tinha esquecido que depois dela tinha o córrego.
Quando eu vi o córrego olhei assustado para o pai, ele estendeu o braço para me pegar, eu refugiei debaixo dela.  O córrego era lindo, com infinitas borboletas, muitas vezes de tardezinha a gente ia lá com a mãe. Ela não deixava ir sem ela por causa do caminhão de leite que passava em cima da gente. Por isto ela levava a gente, inclusive meus dois irmãos que ficou com ela, “pra ela não ficar sozinha” tinha falado meu pai.
De repente ela começou a voar, meu irmão pegou na minha mão, E ela foi voando sobre as águas do córrego com o pai e o Benedito ao seu lado e pousou sequinha do outro lado.
A água do córrego estava tão geladinha e gostosa que quase ia esquecendo-se dela, mas corri e agarrei em uma de suas pernas. Para chegar em casa ele teve de voar mais um pouquinho, pois a nossa casa ficava um pouco afastado da estrada.
Quando chegamos em casa eu queria contar para a mãe tudo sobre ela.
“É mesa filho, ela chama mesa...” Falava minha mãe.
Hoje, depois de muitos anos eu olho para traz e vejo uma criança da roça feliz porque eles tinham ganhado uma mesa. Você deve estar pensando: “mas, mesa não tem rodas”.

Certo. Mas para trazer a mesa nas costas era muito longe, então meu pai fez rodinhas de madeira, pregou uma em cada pé e veio rodando pela estrada de terra.  Com a sua criatividade ele proporcionou esta experiência maravilhosa para seus filhos cujo valor ultrapassa em muito a mesa em si.

Uma vida baseado em princípios.

Esta publicação faz parte de um estudo  onde o objetivo é fornecer ferramentas para aquelas pessoas que querem formar seu caráter, firmar s...